contato@carreiraodalgrande.com.br (48) 3039-1970 (48) 99645-0436

Dois pontos de atenção na compra e venda de imóvel locado

É plenamente possível a compra e venda de um imóvel no qual há uma locação vigente. Via de regra, caso o novo proprietário não tenha interesse em manter o imóvel alugado, a Lei do Inquilinato permite que o comprador rescinda o contrato, concedendo ao locatário prazo de 90 dias para desocupação. Por outro lado, caso prefira manter a locação ou não exercite o direito de rescindir o contrato dentro do prazo, o comprador se sub-rogará na condição de locador, assumindo os direitos e obrigações decorrentes do contrato que está vigente.

No entanto, além da regra geral descrita acima, há dois aspectos bastante relevantes que devem ser observados nas compras e vendas de imóveis alugados: o direito de preferência e a cláusula de vigência.

Direito de Preferência

O art. 27 da Lei do Inquilinato prevê que, em caso de compra e venda do imóvel locado, o inquilino tem direito de preferência para adquirir o imóvel, em igualdade de condições com terceiros. Por isso, quando tem a intenção de vender o imóvel, o proprietário deve notificar o locatário, para que esse possa exercer seu direito de preferência.

A notificação tem requisitos bem específicos: deve conter todas as condições do negócio e, em especial, preço, forma de pagamento e a existência de ônus reais sobre o imóvel (como penhora ou hipoteca). Além disso, deve conter o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente – uma exigência que, com os meios de comunicação atualmente disponíveis, parece completamente anacrônica, mas ainda persiste na lei.

O locatário tem 30 dias para manifestar a sua aceitação integral à proposta – ou seja, sem a possibilidade de negociar o preço ou a forma de pagamento que constam na notificação. Caso contrário, perderá o direito de preferência.

Para que o proprietário notifique o inquilino, não há necessidade de já ter recebido uma proposta concreta de um terceiro. No entanto, como o locatário tem direito de preferência em igualdade de condições, é mais conveniente notificá-lo quando já tiver preço e forma de pagamento negociados, pois, caso contrário, correrá o risco de ter que notificar novamente, caso receba proposta em termos diferentes daqueles que constavam na notificação enviada ao inquilino.

Um ponto de controvérsia é a respeito da necessidade (ou não) de o contrato de locação estar averbado na matrícula do imóvel perante o Registro de Imóveis para que o inquilino tenha o direito de preferência. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou pela necessidade da averbação, para que os terceiros interessados na aquisição tenham ciência da locação:

RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO DE IMÓVEL. DIREITO DE PREEMPÇÃO DO INQUILINO (LEI 8.245/1991, ART. 33). CONDIÇÕES PARA O EXERCÍCIO. DESCUMPRIMENTO PELO LOCATÁRIO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

1. Em harmonia com o Código Civil, no art. 221, caput, segunda parte, estabelece a Lei do Inquilinato em seu art. 33, no que interessa ao exercício do direito de preferência na aquisição do imóvel locado pelo inquilino, duas obrigações para o locatário: a) primeiro, para habilitar-se a eventual e futuro exercício do direito de preempção, deve registrar o contrato de locação, averbando-o na respectiva matrícula do registro imobiliário competente, dando, assim, plena publicidade a terceiros, advertindo eventual futuro comprador do bem, de modo a não ser este surpreendido, após a compra, pela pretensão de desfazimento do negócio pelo locatário preterido; b) segundo, pertinente agora já ao exercício do direito de preferência pelo inquilino preterido e que se tenha oportunamente habilitado, deverá este depositar o preço da compra e demais despesas da transferência, desde que o faça no prazo decadencial de seis meses após o registro da alienação impugnada no registro imobiliário.

[…][1].

Por outro lado, o STJ também já relativizou a exigência em um caso em que, apesar de não haver a averbação, ficou comprovado que o comprador tinha ciência da existência do contrato de locação:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA DE IMÓVEIS LOCADOS POR DESRESPEITO AO DIREITO DE PREFERÊNCIA. DISTRATOS POSTERIORES DAS COMPRAS E VENDAS INVÁLIDOS POR INOBSERVÂNCIA DA FORMA PRESCRITA EM LEI. SENTENÇA JUDICIAL E AUSÊNCIA DE AÇÃO RESCISÓRIA. TEMAS NÃO TRATADOS NO ACÓRDÃO RECORRIDO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 282 DO STF, POR ANALOGIA. CONTRATO DE LOCAÇÃO NÃO AVERBADO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. IRRELEVÂNCIA NO CASO. TRIBUNAL DE ORIGEM CONSIGNOU A CIÊNCIA DOS COMPRADORES DA EXISTÊNCIA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO E, PORTANTO, DO CUMPRIMENTO DO REQUISITO DA PUBLICIDADE DO CONTRATO. DANO MORAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. INCIDÊNCIA DA MULTA DO ART. 1.021, § 4º, DO NCPC. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO, COM IMPOSIÇÃO DE MULTA.

[…]

3. A obrigação legal de averbar o contrato de locação visa possibilitar a geração de efeito erga omnes no tocante à intenção do locatário de fazer valer seu direito de preferência e tutelar os interesses de terceiros na aquisição do bem imóvel. Comprovação, nos autos, que o terceiro (comprador) tinha ciência do contrato de locação. Desnecessidade de registro do contrato. Impossibilidade de revisão das conclusões alcançadas pelo Tribunal de origem em virtude das particularidades do caso. Súmula nº 7 do STJ[2].

O raciocínio adotado pelo STJ é de que o objetivo de averbar o contrato na matrícula é justamente de dar publicidade e alertar terceiros a respeito da existência do contrato de locação e, consequentemente, da necessidade de se respeitar o direito de preferência. No entanto, se o comprador teve ciência da sua existência por outro meio, o objetivo restou suprido por outra via.

Outro aspecto importante são as consequências em caso de não ser respeitado o direito de preferência. O art. 33 da Lei do Inquilinato prevê que o inquilino preterido pode pleitear indenização por perdas e danos do vendedor ou depositar judicialmente o preço do imóvel para que passe a ser o seu proprietário, desde que faça isso em prazo de até 6 meses após o registro da venda na matrícula. Nesta segunda hipótese, ocorre o desfazimento da compra e venda que havia sido registrada e a pessoa que tinha comprado o imóvel pode pleitear indenização em face do vendedor.

Cláusula de vigência

A cláusula de vigência, por sua vez, é uma exceção à regra geral descrita no início do texto (que permitiria ao novo proprietário rescindir o contrato de locação vigente). É prevista no art. 8º da Lei do inquilinato, que dispõe que, quando o contrato tem prazo determinado, contém cláusula de vigência e está registrado[3] na matrícula do imóvel perante o Registro de Imóveis, a locação permanecerá vigente até o término do prazo do contrato, independentemente da vontade do novo proprietário.

A cláusula de vigência deve ser redigida no contrato de forma específica a estabelecer que o contrato se manterá vigente em caso de transferência da propriedade do imóvel a terceiro. Não basta, portanto, cláusula genérica que prevê que o contrato obriga as partes e seus herdeiros e/ou sucessores.

Diferentemente do direito de preferência, não há atualmente grande controvérsia jurisprudencial a respeito da necessidade de registro do contrato na matrícula. O entendimento predominante é de que, mesmo que o contrato tenha cláusula de vigência, esta não terá qualquer eficácia perante o novo proprietário se o contrato não estiver registrado perante o registro imobiliário:

RECURSO ESPECIAL. AQUISIÇÃO. SHOPPING CENTER. LOJAS. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO. CLÁUSULA DE VIGÊNCIA. REGISTRO. AUSÊNCIA. OPOSIÇÃO. ADQUIRENTE. IMPOSSIBILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A controvérsia gira em torno de definir se o contrato de locação com cláusula de vigência em caso de alienação precisa estar averbado na matrícula do imóvel para ter validade ou se é suficiente o conhecimento do adquirente acerca da cláusula para proteger o locatário.
3. A lei de locações exige, para que a alienação do imóvel não interrompa a locação, que o contrato seja por prazo determinado, haja cláusula de vigência e que o ajuste esteja averbado na matrícula do imóvel.
4. Na hipótese dos autos, não há como opor a cláusula de vigência à adquirente do shopping center. Apesar de no contrato de compra e venda haver cláusula dispondo que a adquirente se sub-rogaria nas obrigações do locador nos inúmeros contratos de locação, não há referência à existência de cláusula de vigência, muito mesmo ao fato de que o comprador respeitaria a locação até o termo final.
5. Ausente o registro, não é possível impor restrição ao direito de propriedade, afastando disposição expressa de lei, quando o adquirente não se obrigou a respeitar a cláusula de vigência da locação. […][4].

No entanto, considerando que a jurisprudência do STJ já relativizou a necessidade de averbação para fins de exercício do direito de preferência, é possível aplicar o mesmo raciocínio à cláusula de vigência, quando for possível comprovar por outro meio a ciência do comprador. Por isso, apesar da literalidade do art. 8º da Lei do Inquilinato indicar o contrário, essa possível interpretação deve ser levada em consideração por vendedores e compradores quando estão negociando a compra e venda de um imóvel com contrato de locação vigente, bem como pode servir de fundamentação jurídica para inquilinos eventualmente alijados de seu direito de se manter no imóvel.

 


[1] STJ – REsp n. 1.272.757/RS, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, relator para acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/10/2020, DJe de 12/2/2021.

[2] STJ – AgInt no REsp n. 1.780.197/CE, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 19/8/2019, DJe de 21/8/2019.

[3] Embora o art. 8º da Lei do Inquilinato utilize a expressão “averbado”, o ato praticado pelo cartório é de registro, conforme determina o art. 167, I, ‘3’, da Lei de Registros Públicos.

[4] STJ – REsp n. 1.669.612/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 7/8/2018, DJe de 14/8/2018.

 

Bruno de Oliveira Carreirão
Bruno de Oliveira Carreirão

Advogado, mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, pós-graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito – EPD e membro das Comissões de Direito Urbanístico e Direito Imobiliário da OAB/SC, da Associação Brasileira de Direito e Economia - ABDE e do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário.

bruno@carreiraodalgrande.com.br

(48) 98415-3511

Tiktok Youtube Twitter Instagram Linkedin Facebook

Gostou deste texto?

Inscreva-se para receber o nosso Informativo por e-mail com textos, notícias e vídeos sobre assuntos jurídicos.

Ou, se preferir, inscreva-se na nossa lista de transmissão pelo WhatsApp:

Inscrever

square-facebook-brands instagram-square-brands linkedin-brands square-youtube-brands square-twitter-brands tiktok-square-icon